Experiências do sensível: terra
O cheiro dessa terra encontrada no quintal de minha casa, quando molhada
pela chuva, me leva sempre à uma recordação dos tempos que eu morava em Banco
do Pedro, onde minha mãe era a professora que todos os alunos gostavam muito, e
isso me fazia sentir grande orgulho com o título “o filho da professora”, como
todos me conheciam. Virei uma espécie de destaque do lugar só por ser o filho
da professora. Era um respeito misturado com admiração que aquela gente simples
tinha comigo, que me fazia sentir-se bem. As pessoas se preocupavam comigo, me
davam muita atenção, e isso me fazia sentir uma vontade de sempre estar naquele
lugar, que embora atrasado por ser localizado na zona rural de Ilhéus, tinha
pessoas que eram muito atenciosas e comumente, mesmo nos vendo à toda hora, nos
cumprimentavam mesmo assim. Apesar de ser um lugar de pouquíssimas ruas e
apenas uma praça central, onde à noite todos de encontravam pra conversar,
parecia sempre que era a primeira vez que nos víamos.
Essa terra era a terra predominante do lugar, onde se encontrava os
cacaueiros, fora essa só aquela da única estrada de barro. Mas essa terra preta
é a representativa do lugar, cheio de fazendas e muitas árvores, como o
cacaueiro e muitos pés de jaca, entre outras frutas.
Mas ninguém imagina o quanto eu gostava dos dias mais nublados, após a
chuva, que era quase presente sempre às tardezinhas de domingo, onde aquele
cheiro da terra molhada me trazia algo mágico, que era sentido por dentro, na
alma, que não sei dizer o que era, mas era uma coisa que combinava com aquelas
casinhas, as poucas ruas, as folhas das plantas dos cacaueiros que ficavam mais
verdinhas e limpas da poeira e dava uma sensação de estarmos num lugar de paz e
serenidade.
Essa terra me traz outras lembranças gostosas que me dá uma nostalgia,
uma vontade voltar no tempo. Naqueles tempos minha mãe quando ia trabalhar
levava eu e minha irmã mais nova, Eva Fabiana Silva, que hoje se encontra com
Deus, para lá e nos divertíamos muito tomando banho no rio, que era a principal
atração do lugar. Outra atração era os dias de festas, que ocorriam no clube,
onde bandas ou equipes de som, hoje conhecidas como paredões, se apresentavam.
Somente nesses dias é que apareciam pessoas de vários lugares, e isso parecia
dar mais vida ao lugar. Mas um dos meus programas favoritos era caminhar por
uma estradinha que ficava logo após a ponte que lembrava àquele filme do King
Kong (...), parecia que uma aventura igual àquela passava na minha cabeça
adolescente.
A ponte era de cordas e tábuas que se alternavam entrepassadas por
espaçamentos, que dava medo olhar para baixo, onde ficava o rio de águas
escuras e misteriosas, cheio de pedras, sobre o qual eu ouvia falar sobre
muitas histórias dos tempos da escravidão e outras vezes sobre várias mortes
por afogamentos. E nos dias de ventos fortes? Balançava muito, mas tanto que
chegava a dar arrepio na gente, que chegávamos a nos sentir num filme de
Indiana Jones. Mas havia uma recompensa, que era a estradinha que nos levava às
fazendas de cacau que nos pareciam contar estórias dos tempos dos famosos e
temidos coronéis. Aquelas fazendas pareciam mal-assombradas, certamente
guardavam muitos mistérios tais como aquelas que me lembravam as estórias
contadas pelo meu saudoso avô materno, José Augusto Silva, que foi um dos
muitos sergipanos que vieram para cá ainda muito jovens para trabalhar nas
roças de cacau. Suas estórias contadas sobre àqueles tempos dos coronéis
me atraia muito porque sempre os coronéis eram o vilões das estórias, daqueles
do tipo muito cruéis. Lembro-me de uma das minhas preferidas: aquela que ele
dizia que um coronel costumava contratar os serviços daqueles pobres coitados e
na hora de pagar amarrava as notas na ponta da espingarda e dizia: Quer o
pagamento?!!, vem pegar!! e como ninguém tinha essa coragem, ele gargalhava e
entrava em sua casa, batendo a porta na cara de todos. Mas teve um dia que um
sergipano teve essa coragem e pegou, pois o desespero o havia cegado e o sangue
do sergipano estava fervendo (...) ele conseguiu e saiu vivo, não se sabe ao
certo, uns diziam que o fazendeiro estava bêbado demais e não conseguia segurar
a arma direito e outros diziam que o infeliz do sergipano era mais “brabo” que
o coronel, lutou com ele e venceu.
Esses episódios me vinham à cabeça sempre que eu ia para o outro lado do
rio, atravessando aquela ponte e andando por aquela estrada, parecia que um
filme passava em minha cabeça e eu enxergava tudo como se houvesse entrado num
portal que me levava ao passado. Então vinha a chuva e aquele lugar ficava mais
tenebroso, parecia que, exatamente se desse seis horas da tarde, eu encontraria
fantasmas e lobisomens. Aquele momento era encantado e me enchia de medo e
adrenalina, aquele lugar era uma espécie de “cidade fantasma” para mim.
Outras boas lembranças era simplesmente estar em casa, aquela casa
simples, mas enorme, que enchia de professores e outros amigos, algumas vezes
para conversar e outras pra comer, beber e dançar sempre nos dias de festas no
clube. Lembro que as pessoas ouviam muita música sertaneja e música baiana,
enquanto eu, já com meus 19 anos, gostava de Gun’s N roses, Nirvana, AC/DC,
Iron Maiden, Metallica, Led Zeppelin etc. e muito punk rock em geral que havia
conhecido desde adolescente (...) e como era difícil ouvir aquele som que
poucos apreciavam! Então passei a ouvir também muita música baiana, mas o
sertanejo não tinha jeito, não gostava, mesmo morando na roça (...) e assim, ao
som de Sweet Child O´mine, Paradise City, Welcome to the Jango e muitos outros
sucessos do Gun’s que marcaram aquela época, eu vivi os meus tempos de
juventude muito felizes naquele pequeno, mas porém grande e saudoso vilarejo.
Naqueles tempos eu já era aluno de uma das escolas mais renomadas da
região a EMARC, que era a escola dos sonhos de muitos jovens que faziam de tudo
para estudar lá, de tal forma que nem mesmo a UESC era tão falada quanto.
Na EMARC, que ficava à poucos quilômetros de Banco do Pedro, eu me sentia
muito bem, pois foi a primeira vez que eu me sentia independente e rodeado de
amigos. Época de muita farra e estudos, daquelas lembranças que nunca sairão da
nossa cabeça, que ficam tatuadas no coração da gente e nos fazem sempre se
pegar sonhado ou falando dos tempos de escola.
Era a combinação perfeita para mim: estudar numa escola técnica de
cursos ligados ao meio rural e morar ao mesmo tempo na roça. Perdi as contas da
coisas que vivi naquela escola, dos trotes sofridos e dados, muitas vezes
engraçados e outras vezes muito pesados que uma vez me fez fugir pelo mato,
pegar carona e depois andar mais pelos matos até chegar em casa, calçado nas
velhas botas que todos nós tínhamos que usar na escola para prevenir acidentes
com cobras, (e como tinha cobras naquele lugar). Nunca pensei que um dia eu em
minha vida, iria cruzar com esses animais tanto quanto aconteceu na EMARC e no
Banco do Pedro (...). Mas o animal que mais me fazia ter medo era os gansos de
uma fazenda que ficava na estrada de “Banco”, pela qual muitas vezes passava
perto e tomava muita “carreira” daqueles bichos, que atacavam em bando e faziam
um alvoroço danado, batiam as asas e pulavam (...), O bando de covardes
atacavam pelas costas, sorrateiramente, com aqueles longos pescoços abaixados e
bicos abertos mostrando aquelas verdadeiras serras, (...). Um belo dia aprendi
com um amigo que pra se defender eu tinha que arrumar uma varinha, e assim um
dia arranjei uma no mato e então me enchi de coragem (e medo) quando passei por
lá, e foi então que descobri que foi pior, pois os gansos pareciam ficarem mais
bravos. Até que um dia o dono deles viu e disse que iria tomar providências. Eu
sempre passava por lá porque, como dissera, era o a única estrada a partir do
asfalto que ligava Uruçuca à Banco do Pedro e devido as caronas que eu pegava o
restante do caminho era feito à pé mesmo, pois tinha ansiedade de chegar logo
em Banco do Pedro, ver minha mãe e realizar minhas aventuras pelo portal.
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