quinta-feira, 23 de junho de 2016



Experiências do sensível: terra


O cheiro dessa terra encontrada no quintal de minha casa, quando molhada pela chuva, me leva sempre à uma recordação dos tempos que eu morava em Banco do Pedro, onde minha mãe era a professora que todos os alunos gostavam muito, e isso me fazia sentir grande orgulho com o título “o filho da professora”, como todos me conheciam. Virei uma espécie de destaque do lugar só por ser o filho da professora. Era um respeito misturado com admiração que aquela gente simples tinha comigo, que me fazia sentir-se bem. As pessoas se preocupavam comigo, me davam muita atenção, e isso me fazia sentir uma vontade de sempre estar naquele lugar, que embora atrasado por ser localizado na zona rural de Ilhéus, tinha pessoas que eram muito atenciosas e comumente, mesmo nos vendo à toda hora, nos cumprimentavam mesmo assim.  Apesar de ser um lugar de pouquíssimas ruas e apenas uma praça central, onde à noite todos de encontravam pra conversar, parecia sempre que era a primeira vez que nos víamos. 
Essa terra era a terra predominante do lugar, onde se encontrava os cacaueiros, fora essa só aquela da única estrada de barro. Mas essa terra preta é a representativa do lugar, cheio de fazendas e muitas árvores, como o cacaueiro e muitos pés de jaca, entre outras frutas.
Mas ninguém imagina o quanto eu gostava dos dias mais nublados, após a chuva, que era quase presente sempre às tardezinhas de domingo, onde aquele cheiro da terra molhada me trazia algo mágico, que era sentido por dentro, na alma, que não sei dizer o que era, mas era uma coisa que combinava com aquelas casinhas, as poucas ruas, as folhas das plantas dos cacaueiros que ficavam mais verdinhas e limpas da poeira e dava uma sensação de estarmos num lugar de paz e serenidade. 
Essa terra me traz outras lembranças gostosas que me dá uma nostalgia, uma vontade voltar no tempo. Naqueles tempos minha mãe quando ia trabalhar levava eu e minha irmã mais nova, Eva Fabiana Silva, que hoje se encontra com Deus, para lá e nos divertíamos muito tomando banho no rio, que era a principal atração do lugar. Outra atração era os dias de festas, que ocorriam no clube, onde bandas ou equipes de som, hoje conhecidas como paredões, se apresentavam. Somente nesses dias é que apareciam pessoas de vários lugares, e isso parecia dar mais vida ao lugar. Mas um dos meus programas favoritos era caminhar por uma estradinha que ficava logo após a ponte que lembrava àquele filme do King Kong (...), parecia que uma aventura igual àquela passava na minha cabeça adolescente.
A ponte era de cordas e tábuas que se alternavam entrepassadas por espaçamentos, que dava medo olhar para baixo, onde ficava o rio de águas escuras e misteriosas, cheio de pedras, sobre o qual eu ouvia falar sobre muitas histórias dos tempos da escravidão e outras vezes sobre várias mortes por afogamentos. E nos dias de ventos fortes? Balançava muito, mas tanto que chegava a dar arrepio na gente, que chegávamos a nos sentir num filme de Indiana Jones. Mas havia uma recompensa, que era a estradinha que nos levava às fazendas de cacau que nos pareciam contar estórias dos tempos dos famosos e temidos coronéis. Aquelas fazendas pareciam mal-assombradas, certamente guardavam muitos mistérios tais como aquelas que me lembravam as estórias contadas pelo meu saudoso avô materno, José Augusto Silva, que foi um dos muitos sergipanos que vieram para cá ainda muito jovens para trabalhar nas roças de cacau.  Suas estórias contadas sobre àqueles tempos dos coronéis me atraia muito porque sempre os coronéis eram o vilões das estórias, daqueles do tipo muito cruéis. Lembro-me de uma das minhas preferidas: aquela que ele dizia que um coronel costumava contratar os serviços daqueles pobres coitados e na hora de pagar amarrava as notas na ponta da espingarda e dizia: Quer o pagamento?!!, vem pegar!! e como ninguém tinha essa coragem, ele gargalhava e entrava em sua casa, batendo a porta na cara de todos. Mas teve um dia que um sergipano teve essa coragem e pegou, pois o desespero o havia cegado e o sangue do sergipano estava fervendo (...) ele conseguiu e saiu vivo, não se sabe ao certo, uns diziam que o fazendeiro estava bêbado demais e não conseguia segurar a arma direito e outros diziam que o infeliz do sergipano era mais “brabo” que o coronel, lutou com ele e venceu.
Esses episódios me vinham à cabeça sempre que eu ia para o outro lado do rio, atravessando aquela ponte e andando por aquela estrada, parecia que um filme passava em minha cabeça e eu enxergava tudo como se houvesse entrado num portal que me levava ao passado. Então vinha a chuva e aquele lugar ficava mais tenebroso, parecia que, exatamente se desse seis horas da tarde, eu encontraria fantasmas e lobisomens. Aquele momento era encantado e me enchia de medo e adrenalina, aquele lugar era uma espécie de “cidade fantasma” para mim.
Outras boas lembranças era simplesmente estar em casa, aquela casa simples, mas enorme, que enchia de professores e outros amigos, algumas vezes para conversar e outras pra comer, beber e dançar sempre nos dias de festas no clube. Lembro que as pessoas ouviam muita música sertaneja e música baiana, enquanto eu, já com meus 19 anos, gostava de Gun’s N roses, Nirvana, AC/DC, Iron Maiden, Metallica, Led Zeppelin etc. e muito punk rock em geral que havia conhecido desde adolescente (...) e como era difícil ouvir aquele som que poucos apreciavam! Então passei a ouvir também muita música baiana, mas o sertanejo não tinha jeito, não gostava, mesmo morando na roça (...) e assim, ao som de Sweet Child O´mine, Paradise City, Welcome to the Jango e muitos outros sucessos do Gun’s que marcaram aquela época, eu vivi os meus tempos de juventude muito felizes naquele pequeno, mas porém grande e saudoso vilarejo.
Naqueles tempos eu já era aluno de uma das escolas mais renomadas da região a EMARC, que era a escola dos sonhos de muitos jovens que faziam de tudo para estudar lá, de tal forma que nem mesmo a UESC era tão falada quanto.  Na EMARC, que ficava à poucos quilômetros de Banco do Pedro, eu me sentia muito bem, pois foi a primeira vez que eu me sentia independente e rodeado de amigos. Época de muita farra e estudos, daquelas lembranças que nunca sairão da nossa cabeça, que ficam tatuadas no coração da gente e nos fazem sempre se pegar sonhado ou falando dos tempos de escola.
Era a combinação perfeita para mim: estudar numa escola técnica de cursos ligados ao meio rural e morar ao mesmo tempo na roça. Perdi as contas da coisas que vivi naquela escola, dos trotes sofridos e dados, muitas vezes engraçados e outras vezes muito pesados que uma vez me fez fugir pelo mato, pegar carona e depois andar mais pelos matos até chegar em casa, calçado nas velhas botas que todos nós tínhamos que usar na escola para prevenir acidentes com cobras, (e como tinha cobras naquele lugar). Nunca pensei que um dia eu em minha vida, iria cruzar com esses animais tanto quanto aconteceu na EMARC e no Banco do Pedro (...). Mas o animal que mais me fazia ter medo era os gansos de uma fazenda que ficava na estrada de “Banco”, pela qual muitas vezes passava perto e tomava muita “carreira” daqueles bichos, que atacavam em bando e faziam um alvoroço danado, batiam as asas e pulavam (...), O bando de covardes atacavam pelas costas, sorrateiramente, com aqueles longos pescoços abaixados e bicos abertos mostrando aquelas verdadeiras serras, (...). Um belo dia aprendi com um amigo que pra se defender eu tinha que arrumar uma varinha, e assim um dia arranjei uma no mato e então me enchi de coragem (e medo) quando passei por lá, e foi então que descobri que foi pior, pois os gansos pareciam ficarem mais bravos. Até que um dia o dono deles viu e disse que iria tomar providências. Eu sempre passava por lá porque, como dissera, era o a única estrada a partir do asfalto que ligava Uruçuca à Banco do Pedro e devido as caronas que eu pegava o restante do caminho era feito à pé mesmo, pois tinha ansiedade de chegar logo em Banco do Pedro, ver minha mãe e realizar minhas aventuras pelo portal.

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